Neste breve artigo, busco esclarecer a história deste movimento, bem como o que as Escrituras dizem acerca desta atitude.
Será coerente com as Escrituras o "cair no Espírito"? Será que o Espírito provoca e causa este tipo de reação nas pessoas?
Bem... vejamos então.
1. Breve Histórico do Movimento
Em 1923, o missionário sueco Gunnar Vingren, um dos fundadores da
Assembléia de Deus no Brasil, fora informado de que um certo movimento
pentecostal começava a alastrar-se por Santa Catarina. Sem perda de tempo,
Vingren deixou Belém do Pará, berço do pentecostalismo brasileiro, e embarcou
para o Sul. No endereço indicado, veio ele a constatar: “Não se tratava de
pentecostes, mas de feitiçaria e baixo espiritismo”.
Embora fervoroso pentecostal, Gunnar Vingren não se deixou embair
pelo emocionalismo nem pelas aparências. Ele sabia que nem tudo o que é
místico, é espiritual; pode brilhar, mas não é avivamento. O misticismo
manifesta-se também em rebeldias e mentiras. Haja vista as seitas proféticas e
messiânicas.
Teve este pioneiro do movimento pentecostal, discernimento para não aceitar aquele arremedo de pentecostes (hoje isso falta, e muito, a maioria dos ditos, pentecostais e carismáticos). Entre as manifestações presenciadas por Gunnar Vingren, achava-se
o “cair no poder” que, já naquela época, era conhecido também como
“arrebatamento de espírito”. À primeira vista, impressionava; fazia espécie.
Não resistia, contudo, ao mínimo confronto com as Escrituras. E nada tinha a
ver com as experiências semelhantes que se acham nas páginas da Bíblia.
Irreverente e apócrifo, esse misticismo não se limitou à geração
de Vingren. Continua a assaltar a Igreja de Cristo, principalmente aos grupos pentecostais e neopentecostais, com demonstrações cada vez
mais peregrinas e contraditórias. O seu alvo? Levar a confusão ao povo de Deus.
No combate a tais coisas, haveremos de ser enérgicos, sábios e convincentes.
Mas sempre equilibrados. Através da Bíblia, temos a obrigação de mostrar a
pureza e a essência de nossa crença, e a “batalhar pela fé que uma vez foi dada
aos santos” (Jd 3).
Neste artigo, me detenho apenas no fenômeno do “cair no Espírito”.
2. O Que é o “Cair no
Espírito”?
Embora não seja alguma novidade, o “cair no Espírito”, como vem
sendo caracterizado, começou a ganhar notoriedade a partir de 1994. Neste ano,
a Igreja Comunhão da Videira do Aeroporto de Toronto, no Canadá, passou a ser
visitada por milhares de crentes – todos à procura de uma bênção especial. Ao
contrário das demais igrejas pentecostais, que não tinha este procedimento na época, a Igreja do Aeroporto, como hoje é conhecida, granjeou
surpreendente notoriedade em virtude das manifestações que ocorriam em seus
cultos.
Dizendo-se cheios do Espírito, os frequentadores dessa igreja
começaram a manifestar-se de maneira estranha e até exótica. Em dado momento,
todos punham-se a rir de maneira incontrolável; alguns chegavam a rolar pelo
chão. Justificando essa bizarria, alegavam tratar-se de santa gargalhada. Ou
gargalhada santa ou ainda, "unção do riso" (que não analisarei aqui neste artigo) Outros iam mais longe: não se limitavam ao estrepitoso dos risos;
saíam urrando como se fossem leões; balindo, como carneiros; ou gritando, como
guerreiros. E ainda outros “caíam no Espírito”.
À primeira vista, tais manifestações impressionavam.
Impressionavam e impressionam muitos ainda hoje, apesar de não contarem com o necessário respaldo
bíblico. Entretanto, não podemos nos deixar arrastar pelas aparências nem pelo
exotismo desses “fenômenos”. Temos de posicionar-nos segundo a Bíblia que, não
obstante os modismos e ondas, continua a ser a nossa única regra de fé e
conduta.
- O "cair no Espírito" na Bíblia
Nas Sagradas Escrituras, o cair no Espírito não chega a ser um
fenômeno; é mais uma reação reverente diante do sobrenatural. Registra-se
apenas, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, 11 casos de pessoas que
caíram prostradas, com o rosto em terra, em sinal de adoração a Deus. E tais
casos não se constituem num histórico; são episódicos isolados. Não têm foro de
doutrina, nem argumentos para se alicerçar um costume, nem para se reivindicar
uma liturgia; não podem sacramentar alguma prática. Afinal, reação é reação;
apesar de semelhantes, diferem entre si. Como hão de fundamentar dogmas de fé?
Verifiquemos, pois, em que circunstâncias deram-se os diversos
casos de cair por terra nos relatos bíblicos.
- A força de uma visão
nitidamente celestial
As visões, na Bíblia, tinham uma força impressionante. Agitavam,
enfraqueciam e até deitavam por terra homens santos de Deus. Que o diga Daniel.
Já encerrando o seu livro, o profeta registra esta formidável experiência:
“Fiquei, pois, eu só e vi esta grande visão, e não ficou força em mim; e
transmudou-se em mim a minha formosura em desmaio, e não retive força alguma.
Contudo, ouvi a voz das suas palavras; e ouvindo a voz das suas palavras, eu
caí com o meu rosto em terra, profundamente adormecido” (Dn 10.8,9).
Em sua primeira visão, Ezequiel também se assusta com o que vê.
Ele se apavora: “Este era o aspecto da semelhança da glória do Senhor; e, vendo
isso, caí sobre o meu rosto” (Ez 1.28). Sem liturgia, ou intervenção humana, o
profeta prostra-se todo. E quem não haveria de se prosternar? Mesmo o mais
forte dos homens, não se agüentaria diante de tamanho poder e glória.
Recurvar-se-ia; lançar-se-ia com o rosto em terra.
Mais tarde, encontraremos Ezequiel noutro caso de prostração: “E
levantei-me e saí ao vale, e eis que a glória do Senhor estava ali, como a
glória que vira junto ao rio Quebar; e caí sobre o meu rosto” (Ez 3.23). Quem
não cairia ante as singularidades da glória de Deus? Quem a resistiria?
Já no final de seus arcanos, Ezequiel vê-se constrangido a
comportar-se de igual maneira: “E o aspecto da visão que vi era como o da visão
que eu tinha visto quando vim destruir a cidade; e eram as visões como a que
vira junto ao rio Quebar; e caí sobre o meu rosto” (Ez 43.3).
Nesses casos, as visões divinas foram tão fortes que levaram tanto
Ezequiel como Daniel a caírem por terra. Noutras ocasiões, porém, a ocorrência
de visões, igualmente poderosas, não provocou alguma prostração. Haja vista o
caso de Isaías. Embora se mostrasse aterrorizado e compungido com a visão do
trono divino, não se menciona ter o profeta caído por terra. Isto significa que
as experiências, embora semelhantes, possuem suas particularidades e
idiossincrasias. Isto é: cada experiência, ou encontro com Deus, é única. Seria
tolice pretender repeti-las para que a sua repetição adquirisse foros de
doutrina.
- O impacto de um encontro com Deus
Além das visões, certos encontros com Deus, tanto no Antigo como
no Novo Testamento, levaram à prostração. Mencione-se, por exemplo, o que
aconteceu a Saulo no caminho de Damasco. O encontro com Jesus foi tão
formidável, que forçou o implacável perseguidor a cair por terra, e a
reconhecer a autoridade e a soberania do Filho de Deus: “E caindo em terra,
ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?” (At 9.4).
Como nos casos anteriores, nada havia sido programado. Saulo foi
levado a recurvar-se em virtude da sublimidade do Senhor Jesus. Noutras
ocasiões, porém, os encontros com Deus deram-se de maneira suave. A entrevista
de Natanael com Jesus é um exemplo bastante típico dessa suavidade tão santa. O
que também dizer do encontro de Gideão com o anjo do Senhor? Ou do encontro de
Jeremias com Jeová? Este encontro veio na medida certa; veio de acordo com o
caráter suave e melancólico do profeta. Mas tivesse Jeremias o temperamento
colérico de Paulo, certamente o Senhor teria agido com impacto para que o vaso
fosse quebrado e moldado conforme a sua vontade. Como se vê, as experiências
variam de acordo com as circunstâncias e a personalidade das pessoas envolvidas
no plano de Deus.
- Diante da autoridade de Cristo
A autoridade do nome de Cristo é mais que suficiente para fazer
com que todos os joelhos dobrem-se diante de si. Aliás, chegará o momento em
que todos os seres, quer nos céus, quer na terra, quer sob a terra, hão de se
curvar diante da infinita grandeza do nome do Senhor Jesus: “Pelo que também
Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome para que
ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e
debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para
glória de Deus Pai” (Fp 2.9,10).
Na noite de sua paixão, o Senhor demonstrou quão grande era a sua
autoridade: “Quando, pois, (Jesus) lhes disse: Sou eu, recuaram e caíram por
terra” (Jo 18.6). Ao contrário dos casos anteriores, nessa passagem quem cai
por terra são os ímpios. Recurvam-se estes não em sinal de reverência a Deus,
mas em razão da autoridade e soberania irresistíveis de Cristo.
Caso semelhante ocorreu com Ananias e Safira. Ambos caíram por
terra em decorrência de sua iniqüidade: “Disse então Pedro: Ananias, por que
encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e retivesses
parte do preço da herdade? Guardando-a, não ficava para ti? E, vendida, não
estava em teu poder? Por que formaste este desígnio em teu coração? Não
mentiste aos homens, mas a Deus. E Ananias, ouvindo estas palavras caiu e
expirou. E um grande temor veio sobre todos os que isto ouviram” (At 5.3-5).
Noutras ocasiões, porém, o Senhor revelou-se de maneira tão suave,
que se faz homem diante dos homens. Que encontro mais doce do que aquele que se
deu junto ao poço de Jacó? O Senhor revela-se de maneira surpreendentemente
afável à mulher samaritana. E a experiência de Nicodemos? Ou a de Zaqueu?
3. Como os Legítimos Representantes de Deus Portaram-se Quando
Alguém Caía por Terra?
Ao contrário dos que hoje portam-se como deuses diante de virtuais
casos de prostração, os apóstolos de Cristo jamais aceitaram tal deferência. Em
todas as instâncias, procuravam sempre glorificar ao nome do Senhor. Em casos
semelhantes, até os mesmos anjos agiram com reconhecida e santa modéstia.
Tendo Pedro chegado à casa de Cornélio, a primeira reação deste
foi cair de joelhos diante do apóstolo. “Mas Pedro o levantou, dizendo:
Levanta-te, que também sou homem” (At 10.25,26). O que fariam os astros do
evangelismo dos dias atuais? Humilhar-se-iam como o apóstolo? Ou usariam o
evento para incrementar o seu marketing pessoal?
Mesmo um poderoso anjo não se aproveitou da ocasião para atrair a
si as glórias devidas somente a Deus. O relato é de João: “Prostrei-me aos seus
pés para o adorar. E disse-me: Olha, não faças tal, porque eu sou conservo teu
e de teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora
a Deus” (Ap 22.8,9).
O anjo bem sabia que o apóstolo prostrara-se aos seus pés por uma
circunstância bastante especifica: não há ser humano que não se extasie diante
do sobrenatural. A aparição de um ente celestial sempre perturbou os pobres
mortais. Nos dias dos juízes, acreditava-se que a visão de um anjo significava
morte certa. Por isso, a primeira reação de uma pessoa ao ver um anjo era
curvar-se diante do ser angelical. Quem poderia resistir a tanta glória?
Os anjos, porém, recusavam tal deferência. Houve ocasiões em que o
anjo do Senhor aceitou elevadas honrarias. Como conciliar tais questões? No
Antigo Testamento, sempre que isso ocorria, era devido a presença de um ser
especial, que alguns teólogos não vacilam em apontar como a pré-encarnação de
Cristo. De uma forma ou de outra, os anjos eram santos o suficiente para agirem
com modéstia e humildade, tributando a Deus todo poder e toda a glória.
Que esta também seja a nossa postura! Quando, por alguma
circunstância, alguém cair a nossos pés, levantemo-lo para que tribute a Deus,
e somente a Deus, toda a honra e toda a glória. E jamais, sob hipótese alguma,
induzamos alguém a prostrar-se com o rosto em terra, pois isto contraria a
ética e a postura que o homem de Deus deve ter.
4. Nas Efusões do
Espírito Santo de Atos dos Apóstolos houve casos de Prostração?
Na ânsia por justificar o cair por terra que, como já dissemos tem
de ser visto como episódio e não como histórico, muitos teólogos chegam a
colocar tal reação como se fora uma das evidências da plenitude do Espírito
Santo. Que pode haver prostração quando da efusão do Espírito, não o negamos.
Pode haver, mas não tem de haver necessariamente, nem precisa haver para que se
configure o derramamento do Espírito Santo. A prostração não pode ser vista
como evidência, mas como uma reação ocasional e esporádica.
Nos diversos casos de efusão do Espírito Santo, nos Atos dos
Apóstolos, não se observou algum caso de prostração. No dia de Pentecoste,
segundo no-lo notifica o minucioso e detalhista Lucas, estavam todos assentados
no cenáculo (At 2.2). Na casa de Cornélio, onde o Espírito foi derramado pela
primeira vez sobre os gentios, também não se observou o cair por terra (At
10.44-47). Entre os discípulos de Éfeso também não se registrou alguma
prostração (At 19.6).
Mesmo quando o lugar santo tremeu, não se observou caso algum de
prostração (At 4.31). Poderia ter havido? Sim! Mas não necessariamente.
Conclusões
Daquilo que até agora vimos acerca do “cair no Espírito”, podemos
tirar as seguintes conclusões, tendo sempre como base as Sagradas Escrituras:
1. Não se pode realçar a experiência, nem guindá-la a uma posição
superior à da Palavra de Deus. A experiência é importante, mas varia de pessoa
para pessoa; cada experiência é uma experiência; tem suas particularidades. A
experiência tem de estar submissa à doutrina, e não há de modificar, por mais
extraordinária que seja, nenhum artigo de fé.
2. O cair por terra não pode ser visto nem como evidência da
plenitude do Espírito Santo, nem como sinal de uma vida consagrada. A evidência
do agir do Espírito Santo e de uma vida piedosa é o Fruto do Espírito não o cair por terra.
3. Caso ocorra alguma prostração, deve-se fazer as seguintes
perguntas: 1) Qual a sua procedência? 2) Teve como objetivo promover o homem ou
glorificar a Deus? 3) Foi usada para catalisar a atenção dos presentes? 4) Foi
provocada por sopros, toques ou por algum objeto lançado no auditório? 5) Houve
sugestão coletiva? 6) Prejudicou a boa ordem e a decência da igreja? 7) Conta
com o respaldo bíblico suficiente? 8) Tornou-se o centro do culto?
4. Devemos estar sempre atentos, pois o adversário também opera
sinais espetaculares com o objetivo de enganar os escolhidos: “Surgirão falsos
cristos e falsos profetas e farão tão grandes sinais e prodígios, que, se
possível fora, enganariam até os escolhidos” (Mt 24.24).
5. Nos diversos exemplos de prostração que fomos buscar na Bíblia,
observamos o seguinte: Os personagens que se prostraram, ou foram prostrados,
em virtude de alguma experiência sobrenatural, caíram para frente, e não para
trás, como está ocorrendo hoje em algumas igrejas. Não era algo programado, nem
ministro algum induzira-os a cair. Ou seja: ninguém precisou soprar neles ou
neles tocar para que caíssem. Tais modismos têm levado a irreverência e a
bizarria ao seio do povo de Deus. Há alguns que se tornaram tão ousados que jogam
até os seus paletós a fim de provocar prostrações coletivas. Isto é um absurdo!
É antibíblico!
6. Os casos de prostração narrados na Bíblia deram-se em virtude
da reverência e temor que os já citados personagens sentiram ao presenciar a
glória divina. No Novo Testamento, o termo usado para prostração é “pesotes
prosekinsan” que, no original, significa: cair por terra em sinal de devoção.
Em Apocalipse 5.14, a expressão grega aparece para mostrar os anciãos
prostrados aos pés do Cristo glorificado.
7. Voltemos à questão. Pode acontecer prostração numa reunião
evangélica? Pode! Mas não tem de acontecer necessariamente; pode, mas não
precisa acontecer, nem ser provocada. Caso aconteça, deve ser encarada como
reação ou mesmo, emocionalismo, e não como fato doutrinário. Mesmo John e Charles Wesley, que segundo os relatos,
experimentaram um poderoso avivamento, jamais elevaram suas experiências à
categoria de doutrina. As heresias nascem quando se supervaloriza a experiência
em detrimento da doutrina. Não podemos nos esquecer de que algumas das mais
notáveis heresias deste século, nasceram em pleno período
de dito, avivamento.
Finalmente, jamais devemos abandonar a Bíblia.
Não podemos aceitar estas manifestações como se fossem advindas do Espírito e comuns em todas as igrejas cristãs brasileiras. Muitas não as aceitam, mas infelizmente, cresce o número de igrejas de "fundo de quintal" com pessoas desequilibradas e sem conhecimento de Deus como seus líderes, que aliadas ao crescente crescimento das igrejas neopentecostais tem trazido grandes males à propagação do Evangelho de Cristo e ao correto ensino bíblico teológico.
Ênfases, como o
cair no Espírito, hão de surgir sempre. Não devemos nos impressionar com elas, tratemo-las com a devida análise bíblica e teológica. O verdadeiro
avivamento não extingue o Espírito, mas também não causa confusão doutrinária e sabe como evitar os excessos.
Oremos e combatamos estas distorções e heresias.
Deus nos abençoe.